A Polícia Civil de Minas Gerais concluiu o inquérito sobre a tragédia em Capitólio (MG) e anunciou na sexta-feira (4) que não haverá indiciamentos. Estudos técnicos apontaram que a queda do bloco de rocha no lago de Furnas se deu como desdobramento de eventos naturais, sem influência da ação humana.
Segundo as investigações, houve um processo geológico de remodelamento de relevo que é comum na região, o que torna possível que outras rupturas venham a ocorrer. Para aumentar a segurança nas atividades turísticas, a Polícia Civil elaborou dez sugestões que integram o relatório final do inquérito.
“O bloco de quartzito tombou porque perdeu sua sustentação devido ao processo erosivo ocorrido na sua base”, afirmou o geólogo Otávio Guerra, perito da Polícia Civil. Para ele, na parte mais proeminente da rocha já havia uma cavidade abrangente, prejudicando a sustentação. Com a erosão na base, houve um processo de acomodação do bloco que poderia encontrar um novo ponto de equilíbrio, mas acabou ocorrendo a fratura em pontos que o mantinham preso ao maciço.
Otávio aponta que a característica física das rochas da região, que possuem muitas fendas, facilita a ação dos agentes naturais como o vento e a chuva. Além disso, a declividade também teria contribuído para o desprendimento.
“Não foi um único evento que culminou no tombamento do bloco. Ocorreu uma sequência de eventos culminando na queda. Eventos esses que vêm ocorrendo num tempo geológico de 100, 200, mil, 10 mil anos. Muito difícil fazer qualquer mensuração. Existem na região centenas de outros blocos que se encontram em situação parecida a essa que se abateu. É fundamental que se comece a pensar em um planejamento, em um mapa de risco”, acrescentou o perito.
Dez mortos
A tragédia ocorreu no dia 8 de janeiro deste ano. O bloco se desprendeu por volta de 12h30, despencando no cânion do Lago de Furnas, uma das principais atrações turísticas da região. Rapidamente imagens gravadas por quem estava em embarcações menos afetadas invadiram as redes sociais. O episódio causou a morte do piloto e de nove turistas que estavam em uma lancha fortemente atingida. Outras 27 pessoas ficaram feridas. Desde o dia do desastre os passeios de lancha estão suspensos.
O inquérito da Polícia Civil foi conduzido pelo delegado regional da cidade de Passos (MG), Marcos Pimenta. Ele explicou que irregularidades nas atividades desenvolvidas no cânion também foram identificadas. No entanto, elas não têm nexo causal com a queda do bloco.
Entre as irregularidades encontradas está a ausência do pier de fiscalização, previsto em decreto da prefeitura que permitia a liberação de 40 embarcações na área do cânion. A estrutura teria desaparecido por ação de vândalos e não foi recuperada. No entanto, a Polícia Civil entende não haver relação entre essa situação e a tragédia. No dia da queda do bloco, havia oito embarcações e uma moto aquática na área do cânion.
Outro problema identificado envolve a perfuração de um poço por uma empresa que atua na região. O procedimento foi solicitado ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e o órgão deu a autorização, com um limite de 80 metros de profundidade. Porém, sem comunicação prévia, a perfuração foi realizada por uma empresa com um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) diferente do informado e se estendeu até 288 metros. Ainda assim, o estudo geológico não apontou nenhuma conexão entre o procedimento e o desprendimento da rocha.
Marcos Pimenta também observou que a Defesa Civil emitiu um alerta de chuva forte duas horas antes da tragédia. No entanto, segundo depoimentos colhidos, os pilotos não estavam informados sobre essa situação. “Esse alerta por si só poderia impedir fluxos de embarcações no local. E é responsabilidade do piloto averiguar as condições climáticas”, disse o delegado.
Para ele, os procedimentos adotados pelos pilotos deverão ser melhor investigados no inquérito da Marinha, que ainda está em curso. Ele poderá indicar, por exemplo, se houve problemas no fluxo de comunicação do alerta da Defesa Civil ou se houve alguma infração.
Sugestões
Nos próximos dias, o inquérito da Polícia Civil será remetido ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Embora a tragédia tenha sido apontada como um evento natural sem responsabilidade humana, foram listadas diversas sugestões que serão também compartilhadas com o Ministério Público Federal (MPF), com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com a Marinha e com diferentes órgãos públicos. O objetivo é contribuir para a melhoria da segurança em Capitólio.
Uma das principais recomendações é o mapeamento das zonas de risco, com a elaboração de uma planta. A redução do número de embarcações presentes simultaneamente na área do cânion também consta da lista, bem como melhor estruturação do sistema de alerta e garantia de uma fiscalização mais robusta, o que poderia ter ajudado a acelerar a evacuação antes da queda do bloco.
“Alguns turistas viram aquelas primeiras pedras caindo e acharam que era um fato comum, corriqueiro”, lamentou Marcos Pimenta. Entre outras sugestões listadas pelo delegado, está a criação de um selo de identificação das embarcações para ajudar na fiscalização pela prefeitura, a identificação de todos os turistas que participarem de passeios, a obrigatoriedade do uso de coletes salva-vidas para todas as pessoas e não apenas idosos e crianças, a maior integração de órgãos e instituições que atuam na região e a proibição das atividades turísticas no lago quando houver alerta de mau tempo pela Defesa Civil.
A Polícia Civil também sugere que a empresa Furnas Centrais Elétricas participe da adoção de medidas preventivas de segurança. Controlada pela Eletrobras, a companhia divulgou nota, na época da tragédia, lamentando o ocorrido e informando que apenas usa a água do lago para gerar energia elétrica. “Compete ao Poder Público a gestão dos demais usos múltiplos do reservatório”, sustentou a empresa, referindo-se ao controle das atividades turísticas na região.
O estudo geológico, no entanto, observou que a atividade da usina hidrelétrica causa uma irregularidade das mudanças no nível da água no reservatório, o que pode ter alguma interferência nos processos de erosão. Por esta razão, os policiais e peritos da Polícia Civil consideram que a empresa deve se envolver em ações que garantam maior segurança na região.
Portal Guaíra com informações da EBC