O professor Luciano Ribeiro Bueno, demitido da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) por assédio sexual, confessou ter oferecido aumentar a nota de uma aluna em troca de favores sexuais, segundo a Procuradoria Jurídica da instituição.
De acordo com o relatório final do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), ao qual o g1 teve acesso, o professor enviou mensagens escritas, áudios e vídeos para uma estudante do curso de Economia.
“Está confessado pelo indiciado a prática de atos de natureza sexual, inclusive com o convite expresso em áudio e mensagens para ceder a favores sexuais, em troca de possível atribuição de nota, o que caracteriza o constrangimento da vítima, com a prevalência de sua condição de superioridade, seguida da sua repulsa”, diz trecho da conclusão da procuradoria.
No início da tarde de 21 de julho de 2022, em uma conversa no WhatsApp, o professor informa a aluna que ela tirou nota baixa em um trabalho e oferece a possibilidade de a estudante refazê-lo.
De noite, Luciano convidou a aluna a ter relações sexuais com ele, perguntando o que ela queria em troca de sexo.
Em nota, as advogadas de Luciano disseram que não houve provas que o professor agiu “no sentido de se valer de seu cargo para ofender a aluna em questão”.
A defesa também afirma que o caso aconteceu em um momento em que o professor passava por problemas psicológicos, que levaram ele a “interpretar equivocadamente as mensagens trocadas com sua aluna fora do ambiente de sala de aula”.
Para a equipe jurídica da universidade, o argumento da defesa do professor de que ele estava com o estado emocional alterado “não foi suficientemente comprovado para afastar a gravidade da conduta cometida”.
A procuradoria também refutou o que chamou de “tentativa de criminalização da vítima”:
” A tentativa de criminalização da vítima por parte do Indiciado, ao afirmar que que o seu comportamento teria sido o estopim para a sua conduta, bem como que aquela abriu por mera liberalidade o conteúdo dos stories que mostra uma genitália masculina, é uma estratégia distorcida e que merece ser refutada, sob pena de se estar imputando a esta a responsabilização pela conduta repugnante do ofensor”.
A equipe jurídica da UEPG ainda indicou o uso indevido de autoridade no caso.
“O indiciado também não nega que utilizou de sua condição de superioridade hierárquica, enquanto docente, para fazer propostas a Denunciante em troca de ‘melhorar a sua nota'”, aponta.
O parecer da procuradoria é assinado por Adriana de Fatima Pilatti Ferreira Campagnoli, Chefe da Procuradoria Jurídica.
Análise jurídica foi solicitada após divergência da comissão
A comissão do Processo Administrativo Disciplinar era formada por três professores: a presidente, Suellen Aparecida Alves, e os integrantes Luiz Gustavo Lacerda e Márcia Santos da Silva.
No relatório, a comissão cita a “gravidade da descompostura do servidor” a partir da avaliação da denúncia e também frente ao fato de ele não ter negado a ação. Contudo, houve divergência entre os integrantes, que recomendaram a suspensão de 60 dias, e a presidente, que indicou a demissão.
Deste modo, o reitor da universidade, Miguel Sanches Neto, solicitou um parecer jurídico.
Suellen Aparecida Alves, que discordou dos colegas, afirmou que o professor, ao justificar a conduta sob “o argumento de que interpretou mal os olhares da vítima”, acabou culpando a vítima.
Para a professora, “a punição no caso deve ter um escopo não somente punitivo, mas também pedagógico, de modo a acenar para toda a comunidade universitária que a UEPG não compactua com comportamentos dessa natureza”.
O caso avançou para demissão de Luciano após o vice-reitor da UEPG na ocasião, Ivo Mottin Demiate, deliberar sobre o assunto.
No despacho que consta no Processo Administrativo Disciplinar, Demiate não acatou o relatório final, mas sim as razões apresentadas pela presidente da comissão que discordou dos outros integrantes em relação à penalidade, e decidiu pela demissão do servidor.
Mensagens começaram com oferta de ‘ajuda’
O contato do professor com aluna, por meio do WhatsApp, começou na madrugada de 21 de julho de 2022, com duas mensagens. Ele as apagou e, pela manhã, enviou novas mensagens se apresentando.
Conforme a conversa avança, ele questiona o motivo de ela não estar indo para aula.
Depois, ele a informou que ela tirou nota baixa em um trabalho e ofereceu a possibilidade de a estudante refazê-lo. Afirmou, também, que poderia passar as questões via WhatsApp.
Ela respondeu: “Entendi professor”.
Proposta sexual
À noite, o professor retoma a conversa e pergunta novamente se ela gostaria de receber as questões. Após não ter resposta, ele disse para a aluna que ela o deixa excitado.
“Você sempre olha nos meus olhos. Olha o status. Vai gostar. Vai querer a chance? […] Deixa prof de r**a dura. Vamos sair? O que quer? Vamos marcar?”.
Meia hora depois, a aluna respondeu pedindo para o homem confirmar a identidade em áudio. Ele responde, confirma, e sugere novamente que ela olhe o status dele no WhatsApp.
Nele, o homem exibia o órgão genital, mensagem que podia ser vista por todos os contatos.
Nos áudios, Luciano também convidou a aluna a ter relações sexuais com ele, perguntando o que ela queria em troca de sexo. Após enviar uma sequência de áudios, a aluna respondeu:
“Por um acaso em algum momento eu dei liberdade pro senhor me mandar esse tipo de vídeo, e me fazer esse tipo de proposta?”.
Conforme o Processo Administrativo Disciplinar, as mensagens com teor sexual foram enviadas entre 23h23 e 01h29. Elas foram verificadas pela comissão responsável e registradas em cartório.
Após ser confrontado pela aluna, Luciano pediu desculpas e a conversa foi encerrada às 2h34, quando a aluna bloqueou o contato dele.
Demissão do professor demorou quatro meses após ser definida
Quatro meses se passaram entre a decisão da Procuradoria do Paraná em exonerar Luciano, em abril de 2023, e a publicação da demissão em Diário Oficial, em agosto deste ano.
Segundo o Portal da Transparência, apenas neste período, os vencimentos de Luciano somaram R$ 43.837,52.
O g1 entrou em contato com o governo do Estado questionando sobre o intervalo de tempo entre a decisão e a demissão, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Professor também responde na Justiça
O professor também respondeu criminalmente pelo ato. Conforme o Ministério Público (MP-PR), em audiência realizada em 27 de junho de 2023, Luciano aceitou a aplicação antecipada da pena restritiva de direitos de prestação pecuniária – ou seja, pagamento em dinheiro à vítima.
O valor acordado não foi revelado porque o processo tramita em sigilo. Segundo o MP, ele aguarda intimação da Justiça para fazer o pagamento.
O que diz a universidade
Em nota, a UEPG destacou que a investigação interna do caso foi realizada por comissão de professores efetivos, conforme legislação estadual que estabelece normas e procedimentos especiais sobre atos e processos administrativos que não tenham disciplina legal específica.
Questionada se professores podem contatar alunos por redes sociais sobre assuntos acadêmicos, a UEPG disse que contatos extra aula estão disponíveis por “e-mail institucional; ferramentas em plataformas online da educação à distância, como fóruns e chats, e Google Workspace”.
Em nota, a UEPG disse que apura, atualmente, outras 11 denúncias de assédio sexual:
- 2 inquéritos disciplinares;
- 2 procedimentos administrativos para apuração de responsabilidade;
- 3 processos administrativos;
- 4 sindicâncias.
O que diz a defesa
Confira a íntegra da manifestação da defesa do professor:
“O Sr. Luciano Ribeiro Bueno, desde sua admissão em 27 de setembro de 2012 ao quadro de servidores da Universidade Estadual de Ponta Grossa, sempre cumpriu com máxima diligência o seu dever laboral, em estrita observância aos princípios éticos e morais, resultando em aprovação em estágio probatório e irretocável histórico funcional.
Nesta última década de dedicação exclusiva à Universidade, adotou conduta proba e íntegra perante seus superiores, pares e alunos, inexistindo qualquer antecedente ou relato em sentido contrário desabonador de sua integridade na esfera profissional ou particular.
Esclarece que a conduta narrada na denúncia ocorreu em momento extremamente delicado da sua vida particular, em decorrência de luto familiar no contexto da pandemia da Covid-19 e agravamento de doença crônica (Retocolite Ulcerativa Aguda), passando a desenvolver transtorno depressivo grave, bem como transtornos de adaptação decorrente de quadros de Estresse Pós-Traumático e Síndrome de Burnout, os quais vem tratando desde o ano de 2020.
Estas circunstâncias, devidamente documentadas no processo administrativo que culminou em sua demissão, para além do uso excessivo de medicamentos capazes de alterar a psique, contribuíram sobremaneira para o estado de perturbação emocional e transtorno de conduta que, na data de 21 de julho de 2022, o levou a interpretar equivocadamente as mensagens trocadas com sua aluna fora do ambiente de sala de aula, ultrapassando os limites de respeito que deve pautar as relações entre aluno e professor, bem como entre homem e mulher.
Em momento algum restou corroborado no processo administrativo disciplinar que o Sr. Luciano agiu de forma deliberada no sentido de se valer do seu cargo de professor para ofender a aluna em questão ou mesmo a instituição que representa, tendo apresentado diversos elementos que denotam as circunstâncias fáticas supra mencionadas, bem como arrependimento por uma conduta manifestamente isolada e que de forma alguma corresponde ao seu costumeiro agir.
No entanto, a capitulação dada ao fato pela autoridade sancionadora desconsidera o conjunto probatório do processo administrativo, o qual indica de forma cabal as circunstâncias atenuantes e bons antecedentes, bem como imediato arrependimento e pedido de desculpas à aluna, motivando a pena de demissão com fulcro apenas a gravidade em abstrato da conduta tipificada como assédio sexual no Código Penal.
Desta forma, verifica-se o afastamento da autoridade sancionadora aos princípios basilares da Administração Pública, notadamente no que concerne à proporcionalidade, razoabilidade, individualização da pena e adequação punitiva, pelo que está tomando as providências cabíveis a fim de submeter o decreto à análise do Poder Judiciário, direito conferido pelo art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.
Esclarece, por fim, que a denúncia foi encaminhada ao Ministério Público do Paraná para a apuração dos fatos na esfera criminal, resultando em acordo entre as partes a fim de reparar, de alguma forma, a dignidade e a honra da vítima, à qual, reitera-se, jamais teve a intenção de ofender”.
Portal Guaíra com informações do G1