A mulher que denunciou ter sido estuprada por 12 homens, sendo 11 policiais militares, e depois engravidado, alega que os agentes ofereceram de R$ 20 mil a R$ 30 mil para que ela não levasse o caso às autoridades. O suposto crime aconteceu em Guarujá, no litoral de São Paulo, em julho de 2023. Imagens obtidas pelo g1, na sexta-feira (2), mostram conversas dela com um intermediário na ‘negociação’ dos valores.
Segundo a mulher, o estupro ocorreu após ela ser ‘dopada’ — ainda com momentos de consciência — em uma festa em uma casa alugada por um grupo de PMs no bairro Balneário Praia do Pernambuco. Ao g1, ela disse ter interrompido a gestação por vontade própria após o quarto mês. A PM informou ter instaurado uma sindicância para apurar a participação de agentes no crime.
Ela contou à equipe de reportagem ter sido abordada por um policial militar no WhatsApp pouco antes de interromper a gravidez. O homem não está envolvido no suposto crime, mas, por conhecer ambas as partes, agiu como um ‘intermediário’ do grupo e apresentou uma proposta para ‘comprar o silêncio’ dela.
O objetivo dos PMs envolvidos, segundo a mulher, era fazer com que ela não desse prosseguimento à denúncia à Polícia Civil revelando os nomes, o que fez em janeiro de 2024.
O primeiro boletim de ocorrência do estupro às autoridades foi registrado em dezembro de 2023, mas sem citar os policiais. Com ele, de acordo com ela, o objetivo era apenas para conseguir a aprovação para interromper a gravidez de forma legal em um hospital da capital paulista.
Fingiu a negociação
Segundo o advogado Allan Kardec Campo Iglesias, que representa a mulher, ela fingiu a negociação para conseguir mais informações sobre os autores do crime, uma vez que estava ‘dopada’ e não lembra de detalhes. Ao g1, ele acrescentou que a vítima não recebeu qualquer quantia dos PMs.
“Me procuraram para ‘deixar isso pra lá’, já que a minha intenção era interromper a gravidez mesmo. Pediram para que eu desse um número, disse R$ 50 mil. Responderam que estavam todos ‘quebrados’ e diminuíram para R$ 30 mil. Acabou ficando em R$ 20 mil”, disse ela.
Compra do silêncio
Nos dois prints de conversas via WhatsApp, obtidos pelo g1, é possível ver o que seria a definição do valor entre os policiais, antes de ser repassado para a mulher, e também a ‘negociação’ dela com o PM que fez a ‘ponte’ com os envolvidos.
Na primeira imagem, duas pessoas iniciam uma conversa com a sigla ‘Q.A.P’, que significa “na escuta” no meio policial.
Em seguida, uma delas afirma que “todos aceitaram”, mas “fixaram o valor em 20 [mil]”, sendo “10 de cara e os outros 10 quando acabar”. A equipe de reportagem apurou que o “acabar” seria em referência à conclusão do caso, que havia sido denunciado sem detalhes à Polícia Civil.
A segunda imagem mostra uma suposta conversa entre a mulher e o PM que ‘representou’ o grupo envolvido. Neste momento, ela teria dito que “só queria acabar com isso logo” e que o valor de R$ 30 mil seria o “mínimo depois de tudo”.
Estupro
O crime, segundo a mulher, aconteceu no Balneário Praia do Pernambuco, em Guarujá (SP), no último dia 12 de julho de 2023.
Ela disse ter sido convidada com uma amiga para a festa, que tinha aproximadamente 20 pessoas, sendo a maioria de homens. A vítima acredita ter sido “dopada” enquanto ingeria bebidas alcoólicas no local.
A mulher acrescentou que, inicialmente, teve relação consensual com um dos integrantes da festa em um quarto no imóvel. Ela ressaltou que, após “apagar” no cômodo, os demais se “organizaram” em fila para estuprá-la. “Me senti usada”, disse ao g1, anteriormente.
“Eles fizeram uma ‘fila” e eu conseguia ouvir algumas coisas. Diziam: ‘Vai logo! Deixa que é a minha vez'”. A mulher relatou que, apesar de dopada, conseguia lembrar de algumas cenas do ocorrido.
A mulher acabou dormindo na casa alugada para a festa. Segundo ela, no primeiro contato que fez com a amiga após o ocorrido, a colega disse não soube nada sobre o estupro, e pensou que as relações tivessem sido consensuais.
Os detalhes sobre o estupro, além do que a mulher se recorda, foram contados por um amigo que também estava na festa e disse ter sido o responsável por “interromper” os abusos. Ela, no entanto, acredita que ele – o único que não faz parte da PM – também participou do ato.
Gravidez e polícia
A mulher relatou ter descoberto a gravidez apenas em dezembro do ano passado, já que não menstrua normalmente. Ao g1, ela acrescentou não ter se relacionado com outras pessoas durante o período.
A decisão de interromper a gestação, ainda de acordo com ela, aconteceu logo em seguida. Para isso, ela teria ido até uma unidade de saúde em Guarujá e perguntado sobre o procedimento, sendo indicada a fazê-lo na capital paulista.
A vítima disse ter entrado em contato com um hospital – não informado – em São Paulo, mas ouviu que o procedimento seria feito legalmente apenas após o registro de um boletim de ocorrência sobre estupro, feito na sequência por ela na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) na capital.
Conforme apurado pelo g1 junto ao advogado dela, o primeiro registro à Polícia Civil aconteceu de forma “breve” e sem prestar detalhes sobre os homens que teriam cometido o crime. Segundo ele, a cliente sentia medo de uma represália e desejava, de imediato, apenas interromper a gravidez.
Segundo a mulher, o contato com o grupo de PMs, feito por meio de um policial que conhecia as partes e não estava envolvido no crime, aconteceu logo após o registro da ocorrência.
Ele teria enviado mensagens perguntando sobre o BO e, em seguida, oferecido dinheiro para que ela não seguisse com a denúncia — ela não soube informar como ele foi avisado.
O registro ‘completo’ do caso aconteceu apenas em janeiro, quando a mulher procurou a DDM de Guarujá (SP) e denunciou em detalhes o estupro à polícia. Neste momento, conforme apurado pelo g1, ela citou os nomes dos suspeitos.
Secretaria de Segurança de SP
A Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP-SP) informou, em nota, que a Polícia Civil investiga a denúncia da mulher como um caso de “estupro de vulnerável”.
Segundo a SSP-SP, foi requisitado exame sexológico e médico para a vítima. O caso foi registrado por ela na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) da capital paulista e encaminhado para a DDM de Guarujá, que segue com as investigações.
“Diante da gravidade da denúncia, a Polícia Militar informa que instaurou uma sindicância para apurar a participação de policiais militares no crime”, complementou a SSP.
Portal Guaíra com informações do G1